Todos por um
Por Maurício Oliveira
Marcelo Rudini
Sérgio Cochela, da Datasul (ao centro), com parte da equipe de 110 subordinados: líder transparente e pessoal competente e comprometido geram resultados e satisfação
PACTO DE CONFIANÇA
O catarinense Sérgio Cochela, de 40 anos, diretor executivo da Datasul Finanças, divide a carreira em duas fases. Na primeira, que durou até 1999, exercia a liderança de uma forma que hoje considera equivocada. Praticava o que chama de "gerenciamento heróico": resolvia os problemas em vez de dar aos subordinados autonomia e condições para buscar as soluções. "Ficava sobrecarregado e a equipe não crescia, porque as pessoas ficavam dependentes e a empresa se tornava muito complacente com elas", lembra. A virada no modo de ver o trabalho em equipe aconteceu a partir de um MBA na Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, que coincidiu com o convite para assumir uma diretoria na Datasul, oportunidade de colocar em prática, diante de 110 subordinados, o que aprendia na teoria. Primeira lição: cercar-se de profissionais competentes e que gostem de ser desafiados, e não apenas daqueles bem-intencionados.
"Tive de aprender a delegar, e para isso precisava de pessoas em quem confiasse de verdade", diz. Junto com a concessão de autonomia veio a maior tolerância a erros. "A complacência em excesso atrapalha, mas em um ambiente inovador não se pode impor o medo de tomar decisões erradas." Outras regras que passaram a fazer parte da cartilha: valorizar o bom desempenho individual (de preferência com prêmios em dinheiro); deixar claro aos subordinados que o crescimento depende de cada um, e não da empresa; e transparência máxima (todos conhecem o salário dos colegas e os demais números da empresa, expostos em um mural). A nova postura tem resultado direto na satisfação dos funcionários. A mais recente pesquisa de clima demonstrou que 97% sabem o que a empresa espera deles, 95% conhecem os objetivos e estratégias da área, 84% sentem-se incentivados a correr riscos e 90% sabem com clareza o que precisam fazer para evoluir. Nada mau para quem teve o desafio de trocar as praias de Florianópolis pela cultura alemã de Joinville (SC).
Reflita sinceramente: você já trabalhou em uma equipe de verdade, com clareza de objetivos, cooperação efetiva e resultados excepcionais? Se a resposta é negativa, fique tranqüilo. São raros os profissionais que têm ou tiveram a experiência enriquecedora de pertencer a um time com esses atributos. "O que mais vemos nas empresas são meros ajuntamentos de pessoas que vivem participando de reuniões, mas não colaboram espontânea e efetivamente umas com as outras", diz Luiz Roberto Carnier, consultor e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. A boa notícia é que, pressionadas pela competição e pela necessidade constante de inovação, as empresas estão cada vez mais interessadas em promover o trabalho produtivo em equipe -- mas não no velho molde do líder que manda e dos subordinados que simplesmente obedecem. O novo padrão prevê poderes e responsabilidades compartilhados, em que a voz de cada integrante é de fato ouvida e respeitada como elemento essencial para a conquista das metas.
Grupos com desempenho acima da média passaram a ser chamados pelo mercado de "equipes de alta performance" e os mecanismos para sua criação estão na pauta dos gestores das grandes corporações. Uma vez que essas equipes têm como premissa um maior nível de engajamento de seus componentes, a primeira regra é óbvia, mas nem sempre simples de aplicar: contar apenas com quem realmente está disposto a se doar ao trabalho em grupo. "Não há espaço para acomodação ou para quem está à procura de zonas de conforto", diz o consultor Marcos Piccini, da consultoria Hay Group, de São Paulo. Um bom exemplo dessa necessidade de entrega está nas equipes montadas pela subsidiária brasileira da Xerox para enfrentar a crise financeira que ameaçou seriamente a companhia no início da década. Muitos dos talentos da empresa decidiram abandonar o barco e a saída foi apostar na prata da casa, que aproveitou os momentos de turbulência para ganhar espaço. "Só ficou quem realmente acreditava na recuperação, e isso fez toda a diferença", conta Márcio Lassance, diretor executivo de recursos humanos.
A experiência da Xerox, que neste ano deve consolidar a "volta por cima" encaminhada nos dois últimos balanços, demonstra que o mais importante é definir objetivos claros e comunicá-los com eficiência aos integrantes da equipe. "Não adianta ter profissionais preparados e motivados se eles não estiverem remando, todos, para o mesmo lado", diz Márcio. Uma das ferramentas usadas pela companhia é o Programa de Excelência de Performance (PEP), em que as metas anuais de cada diretoria e de cada gerência são estabelecidas a partir de diretrizes gerais definidas pela presidência. As metas são destrinchadas em cascata até o funcionário que ocupa a função mais simples, que, assim como todos os demais, também toma conhecimento de como o trabalho dele se conecta com os objetivos da empresa. O PEP funciona como referência para definir a prioridade concedida a determinados projetos, as necessidades de treinamento e os critérios do Plano de Participação nos Resultados (PPR). Quinze black belts formados pelo programa Seis Sigma, profissionais com atuação multidisciplinar, se movem horizontalmente para fazer a ligação das metas entre os diversos setores.
Na Comgás, em São Paulo, o desafio de montar equipes de alta performance teve um elemento a mais: unir profissionais remanescentes dos tempos de empresa pública com os trazidos do mercado. Dos 120 subordinados ao diretor de marketing do mercado residencial e comercial, Luís Antonio Awazu, paulistano de 49 anos, metade já estava lá quando ela foi privatizada, em 1999, e a outra metade veio depois. "Houve um choque cultural, mas esse tipo de estresse pode ser positivo quando bem trabalhado", considera Luís. Ele diz que um dos passos do crescimento mútuo foi superar idéias preconcebidas. "Quem veio do mercado teve que desfazer a imagem de que todo funcionário público é ineficaz. Encontramos profissionais qualificados e motivados entre aqueles que estavam aqui."
No trabalho em grupo da Comgás, tanto as equipes fixas quanto aquelas formadas para projetos específicos têm a obrigação de buscar o rótulo de "alta performance". "É um conceito que sempre perseguimos, e não uma espécie de mágica que só ocorre quando 'iluminados' se reúnem", diz Luís. Cada uma das equipes montadas na empresa tem um líder responsável pelo projeto (informalmente chamado de "dono" do projeto), incumbência que o obriga a manter contato com diversas áreas. Um dos procedimentos que esse líder deve seguir é submeter o andamento do trabalho à opinião de profissionais não diretamente envolvidos no projeto -- o que internamente é chamado de "revisão". Outra rotina é preencher o relatório de "lições aprendidas"; assim as dificuldades encontradas e superadas podem servir de lição para o trabalho de outras equipes. Para unificar a percepção dos diferentes departamentos, são promovidos mini-MBAs internos, dirigidos a públicos específicos: o mais recente envolveu os departamentos de marketing e de vendas, que freqüentemente têm pontos de vista conflitantes sobre os mesmos objetivos. "O nivelamento do conhecimento e a simetria dos conceitos são essenciais para alcançar a alta performance", diz Luís.
O LÍDER DÁ O TOM
O consultor e professor Luiz Roberto Carnier chama a atenção para o papel fundamental do líder nas equipes de alta performance. "Ele não é mais um mero distribuidor de tarefas e muito menos pode ser um chefe autoritário. Precisa deixar claro o que espera, estabelecer medidores de resultado, criar estratégias de capacitação, ser hábil ao dar feedbacks e ter um perfil agregador. Além disso, continua tendo a incumbência da palavra final", explica. Ao contrário: o líder precisa ter a sensibilidade para identificar a melhor forma de funcionar de cada integrante. "É saudável ter estilos diferentes em uma mesma equipe. Se uns preferem priorizar a qualidade na resolução dos problemas e outros o prazo, não quer dizer que uns estão certos e os outros errados. Criar uma dinâmica que valorize e respeite as características individuais e, ao mesmo tempo, seja produtiva é um grande desafio para o líder", observa Márcio Lassance, do RH da Xerox. O tratamento personalizado não deve abrir espaço para privilégios, contudo. Algumas regras devem ser estabelecidas logo no início como obrigatórias, desde as mais óbvias, como cumprimento de horários. Para Luís Awazu, da Comgás, "o papel do líder é exatamente o de trabalhar para atingir o gatilho emocional que dispara a motivação de cada componente, sem esquecer que as pessoas se motivam não para satisfazer à empresa, mas a elas próprias".
Os especialistas concordam que o fator mais escasso nas empresas para montar equipes de alta performance são líderes com os atributos necessários. Se encontrá-los não é fácil, identificar integrantes em potencial para essas equipes é uma tarefa mais simples. Para Luiz Carnier, o essencial é que tenham apenas mais duas características além do interesse genuíno: capacidade para desenvolver o trabalho que precisa ser feito e integridade no relacionamento interpessoal. "Se algumas pessoas da equipe tiverem características de liderança, melhor ainda: a responsabilidade, de fato, é compartilhada."
CARTILHA DE SUCESSO
Confira os dez princípios das equipes de alta performance, de acordo com o consultor Luiz Roberto Carnier, da FGV (SP)
1. TRANSPARÊNCIA TOTAL
O líder deve deixar claro os motivos de criação da equipe, além das metas, prazos e critérios de avaliação de desempenho. Não há motivação sem informação.
2. QUANTO MENOR, MELHOR
A rapidez das respostas é condição crítica para a alta performance. Por isso, o ideal é contar com algo entre 7 e 10 componentes. Se o grupo for maior, é aconselhável dividi-lo.
3. GENTE DIFERENTE
Quanto maior a variedade de formação acadêmica, especializações, experiências e perfil dos profissionais da equipe, mas rica será a troca entre eles.
4. LIDERANÇA EFETIVA
Sem liderança não há alta performance. Ela dá o tom do trabalho e sua primeira tarefa é levar a equipe a conhecer e confrontar a realidade dos fatos.
5. FOCO NOS PONTOS FORTES
Mais do que investir em melhorar os pontos fracos, é importante trabalhar os pontos fortes. Pequenos progressos vão representar ganhos expressivos para todos.
6. RESPEITO AOS PRAZOS
Estabelecer prazos deve ser um procedimento constante em equipes de alta performance, porque o tempo é um fator crucial para que os objetivos sejam alcançados.
7. AMIZADE À PARTE
Em uma equipe de alta performance, a confiança e o respeito devem existir entre todos os membros, independente do menor ou maior grau de amizade entre eles.
8. AUTO- GESTÃO
Os problemas relacionados à equipe devem ser tratados e resolvidos por ela própria. Equipe que não tem poder de decisão não passa de grupo de apoio.
9. AR SEMPRE RENOVADO
Visões e percepções externas são sempre bem-vindas. Clientes, fornecedores e consultores podem agregar fatos novos e visões alternativas ao modo de trabalhar da equipe.
10. DEVOLUTIVA CONSTANTE
Só é possível controlar o que é possível medir. Uma equipe de alta performance necessita de medidores de resultados, feedbacks qualitativos e quantitativos.
SUCESSO COMPARTILHADO
Equipes de alta performance dependem do ambiente da empresa e do empenho de cada um de seus profissionais. O consultor Pedro Mandelli, da Mandelli Consultores Associados, de São Paulo, relaciona o essencial em cada caso:
O que o ambiente precisa oferecer O que o profissional precisa ter
- Confiança. Quando há pouco controle e muita confiança, a tendência é que as pessoas se sintam seguras e produzam melhores resultados.
- Senso de justiça. É fundamental reconhecer positivamente o que as pessoas fazem.
- Humor. Não se trata de rir à toa, mas o bom humor é uma arma importante para tornar o ambiente agradável.
- Relacionamento. É importante que as pessoas se interessem verdadeiramente pelo que as demais pensam.
- Significado. As moedas de troca das pessoas (se elas trabalham prioritariamente por dinheiro, aprendizado ou reconhecimento) devem estar claras. - Visão estratégica.
Conhecer a missão da empresa e as metas de curto, médio e longo prazos facilita tudo.
- Capacidade de se relacionar. Atuar em alta performance exige o estabelecimento e a manutenção de relacionamentos.
- Articulação política. Fazer trocas que gerem resultados positivos é uma habilidade obrigatória.
- Apego a uma causa. É preciso sintonizar os interesses no trabalho em equipe com os interesses mais amplos de carreira e de vida.
- Foco. Só quem sabe com clareza aonde pretende chegar consegue dizer "não" sempre que necessário.
Extraido da Revista Voce S/A deste mês. Edição 97 - Julho 2006

0 Comments:
Post a Comment
<< Home